Não clique aqui.

Minha foto
Eu sou um pouco de solidão, um pouco de negligência, um punhado de reclamações.

sábado, 7 de maio de 2011

A entrega da virgem

João afagou seu cabelo e puxou levemente a raiz dos fios escuros da virgem com a delicadeza que o momento pedia. Ele mordiscava seu lábio como se quisesse dissolver migalhas de um pão, e a língua da moça enterrou-se sem jeito dentro de sua boca, sendo possível sentir o cheiro de vinho saindo de seus lábios como frasco de perfume aberto. Maria suspirava juras de amor enquanto seu namorado tirava suas vestimentas. Começou a tatear a geografia irregular do corpo de sua amante com os olhos revirados de desejo, em um rápido relance puxou a blusa da moça e foi possível analisar melhor o sutiã com detalhes em renda, que sentira minutos atrás ao deslizar a mão em seu corpo, com um pouco de dificuldade e impaciência conseguiu retira-lo. Eram duas peras maduras que se durassem mais uma estação passariam da validade para serem colhidas e provadas. O amante derreteu-se dentro da jovem, o seu suor juntou-se ao perfume barato da moça, as meias estavam jogadas no chão. A penumbra da janela refletia dois corpos enlaçados um dentro do outro. A jovem que na noite inteira balbuciou que se entregou, dormia com seu rosto virado para João. Ele que não declamou nenhum amor eterno deslizou a ponta de seus dedos em seus lábios, sussurrou um adeus e foi embora do quarto da virgem mental.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A beleza mórbida de Angelina

A moça com os lábios carnudos irreconhecíveis era a desgraça da mãe. Quando pequena gostaria de tornar-se uma mulher independente como quem acolhera em 9 meses na barriga; do pai pouco sabia, mas era vivo. A beleza de Angelina evoluía ao passar dos anos, de jovem com olhar ingênuo transformou-se em atraentes olhos enigmáticos – ninguém sabia o que passava em seu coração, talvez nem a própria menina entendesse o motivo que lhe causava dor.
– Por que está chorando, minha filha ?
– Estou com dor de cabeça e vertigem.
– Isso nunca lhe fez chorar, conte para sua mãe a verdade.
– Estou falando a verdade. Acho que vou me deitar.
  E deitava-se, cobria-se, respirava incerteza dos reais motivos da vida apertar-lhe o coração com força de um leão feroz. A própria nunca mentiu para si mesma que o fato de ter a beleza em suas mãos e pelo resto de seu corpo sequer a fazia melhor para alguém – nem para si mesma.
Ah, quem a olhasse... Capaz de tornar-se pedra ao admirar-lhe por uma fração de minutos. Seu corpo todo eram curvas desiquilibradas, quadris, busto, lábio; curvas que te faziam perder o controle dos cincos sentidos.  A jovem que era rebelde com a sua falta de onisciência da vida começou a perceber que podia ser a pior ferramenta que poderia usar. 
 Colecionava facas, não passava despercebida por nenhuma nova quando encontrava em uma loja ou até mesmo em cozinha de família. Também usava as próprias facas. Cortava-se inteira, e mais do que curvas seu corpo era repleto por cicatrizes que mesma fizera pela arte de existir. Sabia lançar facas em quem a pedisse, os grandes olhos verdes em quem a ameaçasse.
– Esqueça que você tem mãe – tremia como um terremoto capaz de destruir o mundo. Seu mundo estava completamente revirado naquele momento.
Pobre, Anjo. Rompeu-se o laço com quem abrigara no seu coração por muitos anos. Dizem que foi encontrada na cama com o namorado da mãe. Outros dizem que a mãe que vivia bêbeda desde que a moça fora pequena. Nunca mais falou com a mãe depois do ocorrido. Nem mesmo antes de sua morte. Mais do que beleza, tinha cicatrizes profundas que carregava em sua vida. E que não apareciam em um simples flash de foto.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Guri a procura d'um amor

     O guri estava sentado no banco de madeira, ao seu lado sua mochila com alguns cadernos, do outro a vontade de encontrar alguém. Aquele lugar era estratégico, todas as raparigas com seus corpos florescendo da adolescência para a vida adulta desfilavam por lá; baixas, altas, louras, morenas, de fala mansa, riso histérico. Às vezes seu olhar encontrava o de seus antigos amores, uns que foram esquecidos como bijuteria em gaveta, outros que ainda ardiam feito queimadura – o que devia ser mais difícil? Esperar pelo desconhecido ou por alguma memória ? Vivia por ali sentado, veze em quando conversando para espantar a solidão, outras vezes ouvindo músicas que se encaixavam perfeitamente como trilha sonora.
     Sorrir nunca fora tão difícil para o guri, já muito desencantado com as falsas promessas e desencontros. A alegria não era difícil de se ter em seu dia-a-dia, muito das pessoas o queriam bem de saúde, era rodeado por amigos, escutava-se piadas e risos ao passar ao seu lado. No entanto, com o coração ralado o que poderia fazer ? Eram momentos de alegria em companhia e inumeráveis de tristeza sem outro corpo para acolher seus sentimentos pisoteados, e outros ainda guardados – talvez nunca o achem, é muito bem guardado. Apesar das contradições da rotina ainda sorria, era perfumado, bem cuidado, moço bonito. Era preciso além de olhar, senti-lo. Sentir que nada valia a aparência boa, se seu coração estava apodrecido de procuras desgastantes. Quase ninguém sabia disso, ele sabia.
     Quando o perguntavam como estava não sabia o que deveria responder. Uma simples pergunta o fazia relembrar o que se passava por dentro.
– Tudo bem, guri?
– (Ontem a noite só me restava estudar para os exames escolares, mas minha própria mente me perturbava. A vida não é um cálculo matemático, nem um simples substantivo, muito menos o amor. Eu que pensei por ingenuidade que amar era brisa da manhã que acaricia a face, percebi que está mais próxima de navalha adentrando nos músculos da pele. Pensei a noite toda sobre o porquê me sinto incompleto. É falta. Falta alguma coisa. Mais o quê? Hei de não encontrar. Sinto tristeza, aquela que nunca entendi ao escutar meus amigos pronunciarem.) Estou bem e você?
– Claro! Você está sempre bem, com sorriso no rosto. Como foi na prova?
– (No momento não sou capaz de provar da alegria sincera, só de beijos que roubo para suprir um vazio. Beijos que não gostaria de apenas roubar, de ser algo passageiro, algo que não pertence a mim. Quero com humildade uma boca que procure a minha não só por desejo, por sentimento. Então pertencerá verdadeiramente a mim, provarei o melhor dos gostos: a reciprocidade.) Fui bem, estava fácil. E você, como foi?
– Também, mas para você é normal, não é? Vou sair agora, beijos!
– (É normal me sentir dessa forma ? Ou é errado?) Tchau, até mais.
     Seguiam-se os dias como passo lento que por segundos pareciam infinitos, mas passavam. O guri que hoje estava sentado atrás de mim com olhar perdido sabe que um dia encontrará. Não sabe de certo o quê, porém por sentir-se perdido é sinal que ainda lhe resta a estrela do norte. Tal estrela que independente de onde esteja, se você reconhecê-la num céu cheio de outras estrelas, você encontrará seu caminho. Talvez ele tenha esquecido de olhar para cima. E isso ele um dia perceberá sozinho enquanto olha para as raparigas de sorriso largo que passam em sua frente.